Se o futuro é sustentável e a indústria de alimentos e bebidas seguirá essa tendência, também nos pontos de venda a realidade vai mudar. Na Alemanha, essa transformação já está chegando aos supermercados.
No quinto dia de missão na Europa, parte da delegação brasileira, ao invés de ir até a Feira Anuga, viajou pouco mais de 200 quilômetros até a cidade de Wiesbaden-Erbenheim, perto de Frankfurt, para conhecer o projeto piloto da rede de supermercados Rewe, uma das maiores da Alemanha.
A proposta da empresa alemã é dar início a uma nova geração de lojas ecológicas. De certa forma, é uma tentativa de colocar em prática os conceitos apresentados na maior feira de alimentos e bebidas do mundo, que termina nesta quarta-feira (11). O supermercado ecológico da Rewe foi chamado de Green Farming.
“A ideia é mostrar o que seria o mercado do futuro. Há um movimento muito forte na Alemanha pela regionalização, por práticas mais sustentáveis, e também por comprar produtos frescos diretamente de associações, ao invés de comprar do mercado. E demanda por práticas sustentáveis e sociais. Como juntar tudo isso? A ideia da Rewe foi criar um protótipo do supermercado do futuro. Um mercado pequeno e que se comunica mais com o consumidor”, explica Ana Kreter, consultora especialista de mercado na área de agropecuária na Alemanha, onde mora há 12 anos. Ela guiou o grupo na visita técnica.
A diferença para outras unidades da Rewe começa pela arquitetura sustentável, com construção em madeira da região – a ideia é que o material possa ser reutilizado e não descartado em uma eventual reforma no futuro. A estrutura é pré-moldada e ficou pronta em oito semanas, para reduzir o impacto ambiental e para poder ser replicada em outros locais. O teto é envidraçado na parte central, aproveitando a luz natural e reduzindo o consumo de energia.
O supermercado ainda busca ter produção própria local e economia circular. Na sobreloja, há uma estufa com o cultivo de milhares de pés de manjericão. E no subsolo, um criatório de tilápias – que são vendidas no próprio local. O manjericão é comercializado em mudas e também em formato de pesto da marca própria da Rewe.
Além de reforçar o conceito de alimentos frescos e saudáveis, a iniciativa simboliza a economia circular: a água que seria descartada do criatório de peixes é usada para irrigar o manjericão, assim como os resíduos da tilápias, que servem de adubo. Ao mesmo tempo, parte das plantas que não seria aproveitada vira alimento para os peixes.
Produtos naturais e frescos, como frutas, verduras, legumes e sucos ganham destaque nas gôndolas e ficam logo na entrada da loja. Outra iniciativa é a prioridade para fornecedores locais, com compra direta dos produtores. A ideia é reduzir ao máximo deslocamentos e gastos com logística, além de valorizar quem produz o alimento.
O protótipo de supermercado do futuro não usa sacolas plásticas. Os clientes levam os produtos na mão, em sacolas de tecido próprias ou em carrinhos. Quem está desprevenido e precisa de uma sacola, tem que comprar (20 centavos de euro cada, cerca de R$ 1,10), mas são feitas de papelão, não de plástico.
Também dá para ganhar dinheiro com a reciclagem, uma garrafa pet de água vazia vale 25 centavos de euro. Há vários tipos de embalagens retornáveis, e o consumidor é premiado ao pagar um preço menor ou receber parte do dinheiro de volta quando entrega a embalagem vazia.
Até o estacionamento se integra ao conceito. Nos canteiros entre as vagas, a grama está propositalmente alta, parecendo até mato em certas partes. O objetivo é atrair insetos – na Alemanha, constatou-se que o número de insetos e abelhas caiu drasticamente e, já há alguns anos, diversas cidades adotam a prática de não cortar a grama em passeios públicos.
A parte social passa pela entrega de alimentos perecíveis, que seriam descartados se não fossem consumidos a tempo, para pessoas mais pobres da região, com cadastro prévio.
Rótulos ampliam informações sobre produtos e práticas ambientais
A quantidade de informações nos rótulos também demonstra outro pilar: dar o máximo de informação ao consumidor, para que possa escolher produtos saudáveis e sustentáveis. São muitos selos chamando a atenção para itens como “orgânicos”, “veganos” ou o escore do produto em termos nutritivos – mais ou menos saudável.Mas há, ainda, espaço para a questão ambiental. São muitas formas de apresentar o produto como ecológico – algumas embalagens vistas pela reportagem foram “zero emissão de carbono”, “colabora para o futuro do planeta”, “produto clima neutro” – ou seja, sem emissões ou que as neutraliza –, em muitos casos com QR Code direcionando para mais informações.
A loja vende todo tipo de item que se encontra em um supermercado normal – refrigerante, chocolate, tem padaria, freezer. Mas chamou a atenção da delegação brasileira que o preço dos orgânicos era similar aos produtos convencionais, no Brasil costumam são bem mais caros em supermercados.
O consultor Claus Traeger, que atua na internacionalização de empresas brasileiras através da Consim Consulting na Alemanha, onde mora há mais de 20 anos, observa que a prática de exibir QR Codes para que o consumidor conheça a história do produto está se difundindo nos supermercados alemães. “Antes isso era uma coisa de nicho, tinha em lojas ecológicas. Agora, até supermercados grandes já têm essa prática”, observa.
Com isso, é possível saber qual o fabricante, de onde vem, quantos quilômetros o produto circulou. A prioridade é para itens locais, mas em casos de produtos importados de longe, como do Brasil, pergunta-se quais as condições sociais, de trabalho e ambientais.
“A Rewe tem projetos sociais no Sul da Bahia, onde cooperativas fazem cacau para eles processarem. Essa preocupação para produtos de longe é focada no ESG (sigla em inglês para Ambiental, Social e Governança), querem saber se pagam direito, se não tem trabalho escravo, se é ambientalmente correto.”
Projeto foi premiado no ano passado
O supermercado Rewe Green Farming ganhou, no ano passado, o prêmio da Associação Alemã de Varejo como “Loja do Ano”. Também recebeu a distinção “Red Dot: Best of the Best” pela gestão moderna e consistente da marca. O “Red Dot” é um selo internacionalmente respeitado pela excelente qualidade do design – é uma das maiores competições da área de design do mundo.
Participantes veem modelo como inspiração
Especialista no Sebrae-RS e integrante da delegação, Roger Klafke avalia que o supermercado visitado da rede Rede “serve de inspiração e referência de uma tendência que escutamos falar e vemos na Feira Anuga, desde a sustentabilidade, a construção sustentável até a priorização dos produtores locais, os agricultores que fornecem esses insumos. E também a economia circular, criar tilápia e usar o resíduo como adubo para produção do manjericão, que vai direto para loja”.
Morgana Dalpiaz, proprietária do mercado Nostra Casa em Maquiné, disse que, a partir da visita vai levar várias ideias para sua loja, como novas referências de layout. “Enriquece, e vou poder levar para os nosso clientes em Maquiné.” Mariana Guimarães, da Guimarães Alimentos, observa que na Feira Anuga se “viu muitas tendências de rótulo limpo e muito sobre sustentabilidade. O Rewe comunica muito sobre isso”.
Fonte: Jornal do Comércio