O governo quer tributar os seus investimentos hoje isentos de IR; veja como a reforma tributária pode mexer com o seu bolso

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Discutida no Brasil há quase 30 anos, a reforma tributária é capaz de afetar diretamente a vida de todos os brasileiros, mas sua compreensão pode ser tão complexa para o cidadão comum quanto o próprio sistema tributário brasileiro.

Mas se tem uma coisa com capacidade de chamar a atenção de qualquer investidor em meio a todas as discussões e notícias acerca do tema é quando o governo fala em tributar investimentos que hoje são isentos de imposto de renda para a pessoa física.

Alguns deles são bem conhecidos até mesmo por investidores iniciantes. E, mais do que nunca, o incentivo tributário que hoje os torna tão atrativos para a pessoa física está na berlinda.

Recentemente, o ministro da Economia, Paulo Guedes, andou falando à imprensa sobre as propostas do governo para mudar a cobrança de imposto de renda da pessoa física, no escopo da reforma tributária. São elas:

  • Extinção da tabela regressiva de IR para investimentos de renda fixa, cujas alíquotas hoje variam de 22,5%, para aplicações inferiores a seis meses, a 15%, para aplicações superiores a dois anos. Esses investimentos passariam a ser tributados por uma alíquota única de 15%, válida para qualquer prazo.
  • Fim da isenção de IR de produtos financeiros como Letras de Crédito Imobiliário (LCI), Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) e Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA).
  • Tributação de dividendos recebidos de empresas pelas pessoas físicas, hoje isentos, em 15% a 20%, e fim dos Juros sobre Capital Próprio (JCP). Em contrapartida, o imposto de renda à pessoa jurídica recuaria de 25% para 20% num prazo de dois anos, sendo 2,5 pontos percentuais a cada ano.
  • Cobrança do come-cotas nos fundos de investimento passaria de semestral (duas vezes ao ano) para anual (uma vez ao ano).

Já deu para sentir que algumas dessas medidas podem ser benéficas para o investidor, enquanto outras podem pesar até para a própria indústria.

É preciso notar que não necessariamente o fim de um incentivo é prejudicial para o mercado, podendo até ter efeitos indiretos que sejam benéficos.

O problema é que ainda não dá para saber ao certo quais seriam os impactos de tais medidas, fora que todas elas deixam ainda muitas questões em aberto em relação aos investimentos incentivados.

A questão é que todas estas propostas foram apenas faladas e repercutidas na imprensa, mas não formalizadas por escrito ou enviadas ao Congresso. Eu até entrei em contato com o Ministério da Economia para ver se conseguia maiores detalhes, mas o órgão apenas respondeu que não comentaria propostas, estudos ou alterações de normas ainda não publicadas.

Seja como for, esses já são temas para o investidor ficar de olho e se preparar. E já dá para levantar alguns questionamentos e tentar inferir algumas coisas acerca dos impactos das eventuais mudanças. Eu conversei com alguns especialistas para comentar cada uma dessas medidas.

Tributação única na renda fixa

O fim da tabela regressiva para as aplicações de renda fixa tem como intenção deixar de “punir” quem mantém o dinheiro aplicado por pouco tempo e beneficiar quem deixa o dinheiro aplicado por um prazo maior.

Esse incentivo até faz sentido se a intenção do governo é justamente fomentar o investimento em dívidas de prazo mais longo, o que costuma ser benéfico para os emissores de títulos, como governo e empresas.

No entanto, o Ministério da Economia atual entende que, na verdade, a medida acaba beneficiando os bancos e os grandes investidores, que têm mais condição de deixar o dinheiro “parado” por mais de dois anos, beneficiando-se, assim, da menor alíquota.

O pequeno investidor, pessoa física, tem maior necessidade de liquidez no seu dia a dia, e acaba pagando as alíquotas maiores. Um raciocínio que até faz sentido.

O fim da tabela regressiva, portanto, seria positivo para o investidor pessoa física, que pagaria menos imposto no curto prazo, enquanto as aplicações de prazos mais longos permaneceriam inalteradas.

O que ainda não ficou claro: a tabela regressiva também é usada para tributar fundos de investimento em renda fixa, multimercados e cambiais. Não está claro se, nesses casos, também se aplicaria a alíquota única de 15%.

Come-cotas apenas uma vez por ano

Chamamos de come-cotas a forma de recolhimento do imposto de renda sobre fundos de investimento em renda fixa, multimercados e cambiais. Mesmo quando o investidor não efetuou resgates, ele tem seus ganhos em fundos tributados pela alíquota mínima de 15% todos os anos.

Atualmente, esse recolhimento é feito duas vezes ao ano, sempre no último dia útil de maio e novembro. Uma das mudanças ventiladas na reforma tributária, no entanto, é a redução dessa cobrança para apenas uma vez ao ano.

Apesar de não alterar a tributação dos fundos, a alteração seria vantajosa para o investidor. Afinal, os recursos que seriam destinados ao pagamento semestral permanecerão rendendo no fundo até chegar a hora do pagamento agora anual.

O ideal seria que não houvesse come-cotas – afinal, se não houve resgate, não se deveria considerar que o investidor teve um rendimento. Mas como os recursos aplicados em fundos podem ficar sem resgate por muito tempo, o governo implementou o come-cotas para receber o imposto antecipadamente e melhorar a arrecadação.

Fim da isenção de LCI, LCA, CRI e CRA

Aqui nós temos duas situações diferentes. Embora a isenção de IR para pessoas físicas seja um atrativo para as LCI e LCA, na prática, o banco fica com parte desse incentivo.

Afinal, ao emitir uma LCI ou LCA, o banco consegue pagar ao investidor um retorno menor do que pagaria no caso de um título tributado, como um CDB.

Ou seja, não é que o investidor vai receber exatamente a mesma coisa, só que sem a necessidade de pagar IR; ele vai receber menos, mas como o retorno do papel isento ainda é melhor que o retorno líquido de um CDB equivalente, o investidor topa. No fim, o investidor divide o incentivo com o banco, que paga juros menores para captar recursos.

Dessa forma, o fim dessa isenção não tem tanto efeito para o investidor, mas acaba com a isenção para os bancos e o estímulo para que eles emitam LCI e LCA em vez de CDB.

Tendo em vista que uma das intenções do governo com a reforma é atacar os privilégios tributários dos mais ricos, a medida se mostra eficaz nesse sentido.

Não é tanto esse o caso do fim da isenção para CRI e CRA. Estes não são títulos emitidos por bancos para captar recursos, mas sim papéis que representam fluxos de recebíveis de financiamentos nos setores imobiliário e do agronegócio.

A isenção aqui funciona como um incentivo para as empresas adiantarem seus recebíveis e para os investidores disponibilizarem seus recursos, fomentando, assim, dois setores da economia que demandam muito capital e investimentos de longo prazo.

É bem verdade que, no caso dos investidores pessoas físicas, apenas os mais abastados costumam ter acesso ao investimento direto em CRI e CRA. Pela intenção do governo, até faria sentido tributá-los.

Porém, esses papéis também são adquiridos por fundos cujos cotistas podem – e costumam ser – pequenos investidores. É o caso dos fundos imobiliários que investem principalmente em CRI, os chamados “fundos de papel”.

O que ainda não ficou claro: Assim como ocorre com outros fundos imobiliários, os rendimentos distribuídos pelos fundos de CRI negociados em bolsa são normalmente isentos de IR para a pessoa física. Mas se os CRI perderem a isenção em todos os casos, os FII de papel continuarão isentos?

“Ao tirar a isenção de LCI e LCA, o governo está atingindo os bancos. Mas ao tributar CRI e CRA, está atingindo quem? Ninguém”, diz Rodrigo Possenti, gestor do fundo de CRI Fator Verità.

Para ele, essa dúvida sobre a possível tributação dos FII de CRI traz uma “instabilidade” para o segmento. Afinal, seria possível, por exemplo, tributar o CRI dentro do fundo, mas os rendimentos do cotista permanecerem isentos?

Possenti acredita que o fim da isenção teria um impacto inicial negativo para os fundos de CRI, mas que o mercado se ajustaria rápido, pois as taxas das novas emissões, já com o tributo, sairiam mais elevadas para compensar.

“O CRI que hoje é emitido pagando uma taxa de IPCA + 6% passaria a sair, digamos, a IPCA + 7%”, exemplifica.

Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter, acrescenta que o governo precisaria pensar numa transição para acabar com o incentivo tributário para dois setores que demandam tantos recursos, por prazos tão longos e a taxas tão baixas.

“Vários outros países têm estímulos para financiamentos imobiliários de longo prazo, porque taxas altas demais inviabilizam os negócios”, observa.

Outra questão que ainda não foi sequer mencionada publicamente pela equipe econômica do governo é a isenção das debêntures de infraestrutura, hoje isentas de IR para a pessoa física. Esses títulos de dívida emitidos por empresas para financiar projetos de infraestrutura também costumam ser adquiridos por fundos de investimento, também isentos.

Com a tributação de LCI, LCA, CRI e CRA poderíamos esperar também o fim da isenção das debêntures incentivadas?

Tributação de dividendos

De todas as mudanças no IR já ventiladas, a tributação de dividendos talvez seja a que está mais perto de ser aprovada.

“Essa ideia vem ganhando força nos últimos anos. E agora tem todo um cenário de aparente aceitação no Congresso possibilitando que ela vá à frente”, diz a advogada Ana Lúcia Marra, sócia do escritório Machado Associados e consultora tributária nas áreas de tributos diretos e tributação internacional.

Para ela, a facilidade de aprovação, sem exigência de uma emenda constitucional, é um dos fatores que levam à maior aceitação da medida entre os parlamentares.

A ideia por trás da isenção dos dividendos é que o lucro da empresa já foi tributado na pessoa jurídica, não precisando, portanto, ser tributado na pessoa física. Ou seja, na prática, o acionista já pagou imposto antes de receber os proventos.

A ideia do governo seria tributar os acionistas em 15% a 20% e reduzir a alíquota de imposto para a pessoa jurídica, de 25% para 20%, de modo a estimular que os recursos sejam reinvestidos na empresa.

“Muito se fala que o Brasil não tributa dividendos, mas outros países sim. Mas são países que em geral também têm uma alíquota de IR para PJ muito menor que a nossa”, diz a advogada Tatiana Penido, sócia da prática de Tributário do escritório Mattos Filho.

Segundo Ana Lúcia Marra, do escritório Machado Associados, as empresas se preocupam com um eventual aumento de carga tributária, o que seria prejudicial, por consequência, também aos acionistas.

“Existe uma preocupação em reduzir a tributação à PJ, garantindo o mesmo nível arrecadatório e sem gerar aumento de carga tributária. Não é uma conta fácil de se fazer, pois as bases de cálculo são diferentes. Repare que a matemática não é óbvia”, diz a advogada, referindo-se aos percentuais ventilados pelo governo.

Em tese, também poderia haver um desincentivo à distribuição de dividendos, o que prejudicaria diretamente os pequenos investidores que compram ações na bolsa de olho nos proventos.

Porém, lembra a advogada, os acionistas eventualmente vão querer o retorno do seu investimento, então não necessariamente a distribuição de dividendos irá diminuir.

Até por isso mesmo, acredita ela, não dá para garantir que a tributação de dividendos irá, de fato, manter os recursos dentro das empresas.

Um efeito que a medida pode ter, por outro lado, é o desestímulo à “pejotização”, quando as pessoas físicas investem por meio de pessoas jurídicas para pagar uma alíquota de imposto menor.

O que ainda não ficou claro: Afora a dúvida sobre o possível aumento geral de carga tributária, o fim da isenção dos dividendos é outra proposta que joga insegurança sobre o mercado de fundos imobiliários.

Os rendimentos distribuídos pelos FII costumam ser chamados de dividendos e também são isentos de IR para as pessoas físicas em determinadas circunstâncias. O fim da isenção sobre os dividendos poderia também atingir os FII?

A questão ainda não foi mencionada pelo governo e se soma à dúvida que paira sobre os fundos de CRI. No caso dos FII, porém, uma eventual tributação de dividendos não teria como contar com uma contrapartida, como no caso da redução de IRPJ para as empresas.

Além disso, lembra Rodrigo Possenti, da Fator, no caso dos fundos de tijolo, aqueles que investem diretamente em imóveis, o ajuste do mercado não seria tão simples quanto no caso dos fundos de papel.

“No caso do CRI, se você tributa, o mercado se ajusta imediatamente, aumentando a remuneração do papel para incorporar o custo do tributo. Mas os fundos de tijolo não conseguiriam se ajustar rapidamente. Eles não podem, por exemplo, aumentar os aluguéis dos imóveis de uma hora para a outra porque o cotista lá na ponta está sendo tributado”, explica.

Tanto ele quanto Rafaela Vitória, do Inter, chamaram atenção para o fato de que a isenção de IR sobre os rendimentos dos FII tem sido importante para atrair investidores para este mercado ainda jovem e que precisa de um volume grande de recursos para funcionar bem, com liquidez suficiente para evitar distorções.

Rafaela diz ainda que, mesmo que os preços dos FII caíssem no caso de uma eventual tributação – o que pode acontecer, dado que muitos investidores foram atraídos para esta classe de ativos justamente pela isenção de IR -, os fundos ainda assim manteriam potencial de rentabilidade superior à da renda fixa.

Seja como for, ela alerta que incentivos tributários, como isenção de IR sobre rendimentos, nunca deveriam ser o único motivo para o investidor colocar dinheiro em um ativo.

“É importante que o investidor não olhe somente os subsídios ou o retorno nominal da carteira. É preciso também pensar na diversificação de risco. Mesmo que o retorno dos fundos imobiliários caia com eventual tributação, essa classe de ativos tem um papel importante na carteira”, conclui.

Fonte: seudinheiro.com

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